14.12.10

Empresas sociais

Há uma coisa que me tem andado a fazer pensar nos últimos tempos: empresas sociais.
A empresa é, tradicionalmente, uma organização que produz e/ou comercializa bens e serviços, podendo assumir diferentes formas jurídicas de acordo com o número e tipo de sócios que tem. No entanto a empresa tem sempre um objectivo final: obtenção de lucro. Algumas pessoas poderão argumentar que não se trata só de lucro, também há um carácter social, de resposta a necessidades e expectativas do mercado. Sim, é verdade, mas é com base na geração de lucro que tudo foi planeado.

Na sociedade actual (refiro-me à portuguesa, pois não conheço bem outras) a precariedade das relações laborais afecta não só trabalhadores indiferenciados, mas também e preocupantemente trabalhadores com um nível de formação muito elevado (licenciados, mestres e doutores).
Concordo com a argumentação de que é importante investir na formação. Diria mesmo mais: não existe investimento tão valioso como a formação, a boa educação. No entanto de que vale formar bem uma geração de portugueses, que tem agora idades entre os 35 e os 20 anos, se depois os seus conhecimentos são desbaratados em desmotivantes contratos a recibo verde, numa relação senhorial em que quem passa o cheque quer, pode e manda?
O que acontece é muito simples:
  1. O jovem bem formado aborrece-se com tanto abuso e sai.
  2. O empresário ri-se e recruta outro jovem bem formado, perdendo tempo na sua integração e formação na nova empresa, e perdendo competitividade. Mas como não se apercebe disso, vai-se rindo.
  3. O primeiro jovem sem trabalho e desesperado, das duas uma, ou sai do país ou acaba por aceitar mais um  infeliz contrato de prestação de serviços.
Sobra o empreendedorismo. Mas, como diz uma pessoa que me é muito querida, empreendedorismo sem rede, não é coragem é estupidez! Quem é que saído da universidade ou depois de ter trabalhado 2, 3, 4 ou 5 anos a passar recibos verdes tem capacidade financeira para manter uma empresa?

Então como se resolve o problema desta geração?
Vou avançar com uma proposta: empresas sociais.

Se a grande maioria dos jovens trabalhadores do conhecimento vive com a angústia de conseguir um salário digno a cada mês que passa porque não permitir que criem empresas sociais em que o fim não é a obtenção de lucro, mas desenvolver conhecimento, desenvolver trabalho para outras empresas, para projectos sociais, fortalecendo a competitividade da economia?

Qual é a diferença para uma associação sem fins lucrativos?
É significativa. A empresa social não tem que constituir uma direcção, uma mesa de assembleia geral nem um conselho fiscal. A empresa social não vive, nem é dependente de subsídios do estado ou das autarquias. A empresa social tem que desenvolver produtos ou serviços adequados ao mercado em que actua, tem de competir, tem de vender os seus produtos ou serviços, tem de cobrar, tem de gerir recursos e tem de crescer.

A empresa social, porque desenvolve uma actividade considerada como fundamental para a competitividade da economia nacional beneficiaria de uma série de condições de discriminação positiva (reduções das taxas de IRC e IVA, redução das contribuições para a segurança social...).

Estas novas empresas teriam de assumir compromissos com a sociedade: tecto salarial bem definido, amplitude de salários mínima, participação activa na vida da sociedade local com apresentação de um plano anual de actividades sociais. Isto para que possa manter o carácter de empresa social.
Para além disso uma parte significativa dos resultados (lucros) deveriam ser devolvidos à sociedade ficando os restantes (diria 33%) como reservas para reinvestimento na empresa.

Este tipo de empresa permitiria criar muitos postos de trabalho justo, estável e motivador, para os tais jovens trabalhadores do conhecimento. Além disso, e mais importante ainda, permitiria criar uma rede de fornecedores e prestadores de serviços de grande qualidade, motivada e a preços muito competitivos, fundamental para o aumento da competitividade da nossa economia.
Uma terceira vantagem é que estas empresas sociais actuariam num mercado aberto e estou quase certo que rapidamente se tornariam mais competitivas que muitas das actuais empresas que pagam por 100 e vendem por 1.000, ajudando a anular muitos dos abusos que se têm vindo a cometer.

Muito difícil por em prática!
Não tenho a mínima dúvida que é. O legislador teria de definir muito bem todas as regras do jogo, para evitar abusos, para evitar fugas, para evitar chico-espertismo. Mas pergunto eu: abusos, fugas e chico-espertismo não é precisamente o que estamos cansados de ver e ouvir?

Nota final: a ideia de empresa social não é nova, no entanto e na minha opinião, a forma como ela é tratada em Portugal não é mais que um conceito de partidos da esquerda muito moderada cuja preocupação é entreter e gastar dinheiro com alguma coisa que use o adjectivo social. Existem empresas sociais em Portugal conhecidas como Empresas de Inserção, mas não têm qualquer significado na economia. Não servem para nada!

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