15.4.12

Os meus ficheiros perdidos - parte I


Enquanto penso se vou apanhar uma bela rajada de vento pela praia decidi remexer nalguns ficheiros perdidos e re-descobri os macro-universos paralelos do John Drucker. Há outros ficheiros perdidos? Sim, há, mas tenho de os por a arejar.

2023, Berkeley, CA

John Drucker, astro-físico americano, recebia o Prémio Nobel naquele ano. Numa das suas cidades, os amigos esperavam-no para uma tertúlia de disparates, na noite que antecedia o vôo para Estocolmo. Avenida Sta. Bárbara, bar do Gavin, “half pint”. Os 15 anos de eurekas erradas estavam bem longe dali, mas um gole a mais sacou a rolhas a brincadeira de criança que garantia a sanidade mental do cientista. Na primeira pessoa e sem verbo, John avançou:
- Na viagem com o fotógrafo Philip Night, uma esplanada do norte de Portugal, menina da lua, jogo das nove pedras de cores diferentes e baças... Sandy, o amigo, interrompeu a lufada de anti-depressivo:
- Não! Quero os Macro-Universos Paralelos de Drucker!
Estava na altura. John carregou no “On” e iluminou as mentes presentes. E a sua e a de Sandy. Enquanto arriscava que o Sistema Solar é uma projecção do átomo de flúor na tabela periódica, o seu coração dançava com a menina de rosto redondo. Do latim infinito; do grego, gosto por viver. A menina da lua estava destinada a sorrir. Nariz isósceles, sempre empinado. Rabo de cavalo, claro, com alguns cabelos insubordinados. Neta do salsicheiro do mercado mais falado do Porto. A banca mais visitada, pela linguiça fresca. Quem disse que é o molho que faz a francesinha inesquecível? A menina passou a meninice a subir e a descer escadas. Pintava, bordava, escrevia, até calhamaços lia. Tinha teorias sobre como caminhar: – Endireita as costas e peito de rôla, mas respira à vontade. Também tropeçava, a menina. Ficou perita nos tropeções em pedras baças. Só o fez uma vez, com imperfeição, da maneira que dá uma estória. Distraída, enquanto Magueijo a admirava atento, com os pés não assentes na Terra. Não gostava de viajar, a menina: – Para quê?, perguntava quando lhe perguntavam os inocentes. Só João viu na cara redonda outro planeta. Com luz tão própria que era dos outros. Afinal tinha viajado uma vez, com cabelos brancos. Tinha estado no bar do Gavin, em 2023. Sandy assistia ao regresso do amigo. Só ele sabia da história de Magueijo. Do nascimento de John Drucker. A mudança de nome pela cidadania americana.
Pela ciência.

A duas mãos, por Pedro Maia e Filipe Soares


O Filipe Soares é um amigo, que está longe, e com quem partilhei estórias e contos mínimos.
A publicação dalgumas das estórias que fui escrevendo foi motivada, mesmo sem que ela o saiba, pela Joana Cabral deste blog.

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